sábado, 25 de setembro de 2010

Carta

Eu recém havia acordado e ido até a praça, eles nem sequer haviam dormido, enquanto eu estava sentada no banco eles vomitavam na porta da igreja. Bêbados repulsivos, abandonados por si próprios, me davam um espetáculo subversivo de uma manhã de domingo em um mundinho tão restrito.

A visão chocante da juventude vacilante sob o álcool não me chocava, era apenas o retrato de uma adolescência mediana que já não mexia sequer com o fragmento mais puritano de minha alma. Eu me contentava apenas em não fazer parte disso, mesmo assim, me dispunha a ajudar se a mim ajuda fosse pedida.

Minhas longas madeixas ruivas e meus olhos tão verdes, retratavam uma beleza clássica e única, diferente das comuns levianas, me fazendo chamar mais a atenção por ser uma bela dama e não simplesmente mais uma. Apesar de nem ter chegado aos 20, era mulher demais para minha pouca idade e isso afastava os mais jovens e os de idade próxima, e convidava os mais adultos a algo sério. Mas eu já não amava mais nenhum ser humano, apenas a arte.

Enquanto a maioria era induzida a consumir os “panos” da moda, eu preferia desenhar os meus próprios vestidos, pintar meus próprios quadros e tocar minhas próprias canções no piano, e não dentre as cordas elétricas. No meio te tanta gente automatizada, eu prezava mesmo era meu sentimento sutil, puro e doce. Caminhava entre lindas rosas espinhentas, dando o tom poético ao meu andar rebelde na contra mão de um mundo fútil.

Fico horas escutando sons de caixinhas de musica, tenho varias em minha coleção pessoal, cada uma com uma melodia distinta. Não é algo atual, mas é algo realmente feminino, algo bem caracterizado. “A bela dama das belas artes”, talvez devesse escrever isso na minha lapide, ou então “Um poço de sensibilidade”, mas eu me sinto tão indiferente com alguns as vezes, talvez por eles serem assim tão sem sal.

Porém minha sensibilidade entra em ação quando sinto a agressão, não da vontade de gritar nem bater, e sim chorar, apenas chorar. O sentimento me alimenta, não importa se for triste ou feliz, ele me alimenta, ao contrario de tão somente a pilha, é algo mais profundo, só quem é sensível sabe explicar. Apesar da solidão, vale a pena ser assim, não um ET no mundo errado, e sim uma alma antiga em um mundo moderno. Mas não é um mundo repleto de novidades e sim apenas um “Replay” da mesma modernice batida e ultrapassada, mas agora digitalizada.

Mas o que eu fazia naquela manhã, ainda madrugada de domingo, na praça, sentada com uma caixinha de música, só quem me entende pra dizer, mas como ninguém me entendia... Logo então fui até o chafariz, o guardinha nada me dizia, apenas observava, eu queria ficar ali aquele horário, hora ideal, sem drogados nem medíocres, antes da missa. Antes que os sinos da igreja dobrem e chamem os velhos sofridos para mais uma seção de lamento.

Eu queria estar ali, para ver o dia nascer puro, queria ver amanhã do domingo, sem som alto, nem “tunts” e nem pagode, apenas os pássaros, o vento, nada mais, eu queria apenas voltar sabe. Não voltar para o meu tempo, e sim para o meu porque, cidadezinha antipática e medíocre, não era o suficiente. Quem sabe se eu escrevesse uma carta e mandasse numa garrafa, alguém que soubesse pra onde me levar me resgatasse daquilo.

Pois bem, foi isso que fiz, voltei pra casa a passos largos e comecei a escrever. Papel normal mesmo, coloquei nele um pouco de um perfume francês que comprei, enrolei. Amarrei uma fita para dar um tom de papiro, e coloquei em uma garrafa de vinho antiga e selei com uma rolha. Quando tornei a sair porta afora, vendo a rua ainda vazia, meu coração se entristeceu, a mensagem que havia escrito, para algum marinheiro ou capitão, de nada adiantaria, se o mar estava muito longe dali. Do que adiantaria jogar no rio? Não seria nada romântico, nem poético, só mais uma garrafa para completar a coleção de lixo que boiava naquelas águas podres.

Me sentia inquieta, desesperada, gritando por socorro, querendo ser salva, quem sabe na beira do rio um príncipe parasse para saciar sua cede e de seu cavalo branco? Mas não existem príncipes nem cavalos brancos nessa imundice, e é loucura saciar a cede em águas tão nojentas e poluídas. Estava no meio de um mundo medíocre, perdida e sem esperança, mesmo assim eu me mantinha educada, recatada, e era boa com os que assim mereciam. Mas me sentia só, tão só, tudo era tão estúpido e eu era apenas uma jovem dama entre irracionais, onde estariam os cavalheiros?

Fui até a beira do rio, e ao observar o aspecto fétido de tal, joguei a garrafa com toda força em uma pedra, quebrando-a em muitos pedaços. Logo então fui embora, silenciosamente, derramando uma única lagrima, solitária como eu... mas o vento à levou para longe, sabe-se lá para onde...



João P. Rücker

Conto de Fadas

Alejandro, um homem maduro, polido, educado, conhece-lo naquele bar em uma noite de carência foi marcante. Se aproximou educadamente, me tratou bem, escutou meu desabafo, levou-me para dar um passei até a praça sob o luar e sentamos no banco frente ao chafariz.

E ele então tomou-me em seus braços, deixou minhas lagrimas correrem e meu choro fluir como um orgasmo da alma. Foi um homem, centrado então, um cavalheiro, doce, amável, diferente dos demais.

Ele era um homem de verdade, me chamava de querida, de bonita, de divina, de princesa, sem segundas intenções, apenas me fazia ficar a vontade em sua presença, me deixando desabafar as dores de um mundo podre.

Me tocou como cristal, me protegeu do mau, me fez dormir em seus braços como um bebe desamparado que por fim encontrou seu amparo, e por quase hora senti o maior conforto de toda a minha existência, até que despertei. Seus olhos eram doces, eram simples, seu sorriso quase infantil, com um tom de ternura me fizeram acreditar por um instante, que existia um príncipe encantado frente a mim. Saído dos contos com seu cavalo branco, para me tirar de uma vida de trevas e me levar para um palácio de cristal, mas a ilusão durou pouco.

Hoje ainda sinto pesar na alma não ter ficado com ele, dói lembrar de sua morte, naquela mesma noite doce, quebrando meu conto de fadas em pedaços. Lembro do seu pulso enfraquecendo em meus braços e sua vida deixando o corpo sem sequer ter uma chance de viver ao meu lado o dia seguinte.

Eu sinto demais a sua morte, mas não pude fazer nada, eu estava faminta...

FIM



João P. Rücker