quarta-feira, 11 de maio de 2011

Dom Eusébio

Era mórbido o fato de que Dom Eusébio havia escolhido morar em um cemitério ainda com vida. Levando seus pertences para uma casa de madeira no topo do tal, e com eles seu piano, que varava as madrugadas, tocando profundas serestas, apenas para aqueles que ali jaziam. Sua humilde choupana, em meio a um pequeno bosque, próxima da cruz das almas, era sem duvida a tumba mais temida, o mais assombrado dos jazigos de uma necrópole mais antiga do que aquela pequena cidade. Não era a tumba morta de mais um que ali descansa, e sim a tumba inquieta de um artista sedento pela mais profunda solidão, acompanhado apenas por fantasmas do passado.

Na noite, notívago, Dom Eusébio vaga por entre os túmulos da triste e silenciosa necrópole. Anda devagar, portando um velho violão, presente do a muito falecido irmão, dedilhando tristes fados de tributo aos jazidos. Toda noite igual, uma silenciosa cantoria, que vai parar por ironia, no tumulo de sua falecida filha, a causa da melancolia. É onde Dom Eusébio chora, ao som do violão, é onde a dor aumenta, e arrebenta em centelhas o coração do velho artista.

E é para sua filha, sua doce e única Elisa, que dedica toda e qualquer canção. Inconformado de perdê-la tão moça, tão bela, ao completar quinze anos, uma pneumonia não a poupou. Sua esposa, não foi párea para seu desejo pela solidão, e por abandono o abandonou, deixando-o assim, solitário e vivendo das migalhas de si.

A ele resta a suplica de um sonho a mais, com sua família, mulher e filha, apenas uma súplica para Deus, a quem amaldiçoa por má sorte. “Deus é a arte do homem” repete aos ventos noturnos toda noite, quando mendiga algum alivio para a dor de sua perda irreparável.





João P. Rücker

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