terça-feira, 23 de junho de 2009

Do sertão para o sempre...

Em algum lugar do sertão, onde Deus não escuta, onde a vida é áspera, se é que a vida é vida, estava Nélio. Nélio de Jesus, negro, pobre, esquecido, seus companheiros mortos, todos mortos, tudo acabado, perdido na seca, na caatinga, no nada. No Rifle ainda restavam balas, a peixeira ainda afiada, sozinho, e além disso mais nada, andou por tantos sóis e luas sem rumo, pois no mundo nada além de castigo o aguardava. Levaram os corpos, os cabras e as raparigas, os bichos, tudo. Se escondera por lá, os soldados não o viram, havia fugido? Sentia culpa, vergonha, se sentia mal, foi quando ele apareceu.
No aberto e sem vida, só terra seca, debaixo de lua, ele apareceu, com olhos lindos e claros, com pele tão branca de anjo, e cabelos soltos, um rosto tão belo, falando macio:
--Homem perdido, sem cultura, sem nada, perdido no sertão, procurado, caçado, ninguém da nada por você... pobres coitados, não sabem o valor que você tem. Se alegre homem, é você um homem bonito, um homem jovem, muito jovem, ai parado com fome e sedento me olhando assim com medo. Sente culpa? Não sinta, senti você quando eu sonhava, a minha vontade te fez fugir, para viver, e agora te trago um presente que jamais outro homem aqui no “nada” recebeu ou receberá.
Vestindo trajes finos, cheirando a perfume e vinho tinto, era tão belo para um simples homem, para Nélio um anjo, com jeitinho de capeta. -–Não fale nada homem, suas palavras são cruelmente feias, não diga nada, apenas fique parado. Vou lhe dar de beber, mas isso não vai saciar sua sede, pelo contrário, isso vai fazer dela uma sede permanente, que nunca para, nunca é saciada. Seu nome será esquecido, suas palavras refinadas, sua vida mudada. Bem-vindo a noite homem do sertão.



João P. Rücker

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